Perseverar na pedagogia da ética do diálogo

Fagner Ribeiro Sena

“… exercitar a ética do diálogo, que não vê o outro como um inimigo, porém como um outro Eu, cuja diferença enriquece a minha vida, ao ampliar meu horizonte”.

(João César de Castro Rocha, Guerra Cultural e Retórica do Ódio – Crônica de um Brasil Pós-Político)

“O nosso inferno é compreender o outro.”

(Felipe Nunes e Thomas Traumann, Biografia do Abismo)

Questões Prévias

No texto anterior que publiquei neste blog, em caráter especulativo, trouxe algumas impressões sobre possíveis determinantes da disputa eleitoral que se avizinha em Contagem e defendi a tese de que o espaço político é restrito para a oposição que ora se coloca apresentar um discurso que empolgue. Em linhas gerais, com a compreensão que tinha no momento, somei-me a entendimentos de interlocutores expressas aqui neste blog.

Fiz o compromisso de desenvolver dar continuidade naquelas reflexões, notadamente no que chamei de “tarefas de governo” e “tarefas da militância política e social” interessada na continuidade do projeto político liderado pela Prefeita Marília Campos.

Daquela publicação até o momento, apesar da exiguidade do tempo da vida, o que difere do tempo da política, alguma água passou por debaixo da ponte: leituras, diálogos, afirmações, contestações…(vejam bem leitoras e leitores amigos: a inauguração do Espaço Popular Eldorado foi um acontecimento político profundo). Destaco, ainda, duas afirmações contidas naquela publicação, são elas: a) a baixa probabilidade de nacionalização da disputa eleitoral em Contagem; b) a possibilidade do surgimento de “algum fato novo” e a necessidade de “observar outros fenômenos em desenvolvimento ou que possam surgir” que podem incidir na pauta eleitoral local.

A seguir seguem duas digressões que, contribuam para o que me proponho, ou que, pelo menos, não me faça mais perdido.

Digressão 1: Biografia do Abismo: é para tanto?

O livro Biografia do Abismo, do contagense Felipe Nunes e do jornalista Thomas Traumann, tem chamado atenção e mobilizado muitas pessoas em todo o Brasil, seja em canais de televisão, nas redes sociais e nos lançamentos presenciais. Foi o caso, por exemplo, do lançamento ocorrido em Belo Horizonte no último dia 29 de fevereiro. Conclui a leitura do livro recentemente afirmo merece, sim, todo o reconhecimento que a ele está sendo dispensado. É, portanto, para tanto! E por duas razões.

A primeira, é que o livro atende à urgência e emergência de compreender um tempo determinado e de imprevista duração. Um tempo de deterioração da democracia e da sociabilidade em vários lugares do mundo: grandes nações e democracias seculares ameaçadas por uma extrema-direita que utiliza instrumentos da própria democracia para tal.

A segunda é que os autores, ao demonstrarem, a forma como a polarização extrapolou a política e foi para o cotidiano das pessoas em temas como no consumo (na escolha ou cancelamento de marcas), na educação, no futebol (o uso da camisa verde e amarela), na saúde, nas decisões judiciais eles propiciam o que considero uma identificação de certas camadas da sociedade com o que retratam. E tudo é corroborado com vastos dados de pesquisa e referências teóricas de fácil entendimento. É uma consistente fotografia do momento, mas que está ancorado na memória do que vem ocorrendo nos últimos anos, atualizada cotidianamente em novos acontecimentos, o que dá a impressão de que não está no horizonte próximo o retorno a normalidade. Ou seja: o leitor se vê nesse abismo que se tornou a sociedade brasileira.

Mas o que nos interessa é a tese central do livro: a mudança do eixo da polarização no Brasil e a sua intensidade. Ela saiu da pauta econômica para o eixo dos modos e estilos de vida; da capacidade dos candidatos liderarem processos de inclusão social, redução das desigualdades, geração de emprego e renda para o eixo dos valores, sobre como cada lada enxerga o mundo e as possíveis ações e posicionamentos sobre segurança pública, direitos humanos, direitos das mulheres, entre outros. Temas que afetam nichos específicos e representativos da sociedade.

Concluo esta digressão fazendo menção ao livro Biografia do Abismo porque estão lá os fenômenos o que chamei de “outros fenômenos que possam surgir” e incidir na disputa em Contagem neste ano. Indo ao ponto (e faço uma ligeira revisão de parte do que defendi no texto anterior, de que as eleições em Contagem tendem a ser pautadas por temas locais): de fato, não há espaço político para as eleições serem pautadas por temas locais, mas por visões de mundo, temas do comportamento e etc. sim. Há espaço em Contagem, Belo Horizonte, São Paulo e Caraí (cidade onde nasci, que liga nada a lugar nenhum).

No último capítulo os autores trazem uma perspectiva prepositiva: apontam a necessidade de pactos pelo diálogo para compreender e acetar o outro. A parte que segue vai ao encontro do que propõe os autores, mas também o que propões João César de Castro Rocha, citado na epígrafe.

Digressão 2: Contagem e uma possível resposta

Na semana que se encerra concluímos a primeira rodada do ano de 2024 de reuniões dos oito Conselhos Regionais da Administração Municipal. Dialogamos com os (as) Conselhos (as) basicamente três assuntos i) informe das ações e mobilização para enfrentamento a epidemia de dengue; ii) prestação de contas sobres as obras aprovadas pelos Conselhos Regionais em cada território; e iii) apresentação da Lei 5443\2023 que institui a Política e o Sistema de Participação Popular em Contagem.

Fiquei incumbido, pela Secretaria de Governo, de falar sobre a referida lei. Foi uma oportunidade para testar e desenvolver um entendimento – simples e ao mesmo tempo forte – da singularidade da gestão Marília Campos e que pode servir de referência para a construção de caminhos para a travessia do “abismo” da polarização que afeta o Brasil: o diálogo, a política de mão estendida para a diferença e a discordância.

Na minha apresentação, busquei demonstrar que a lei é o coroamento de um processo; é menos uma norma e mais a consolidação e a institucionalização de uma concepção e de um método de governar. E qual foi o xis da questão: as reações e as respostas que recebi quando defendi que a primeira e mais perceptível mudança que ocorreu em Contagem a partir de janeiro de 2021, com o retorno da Prefeita Marília à Prefeitura, foi a retomada do diálogo com a população. Que Contagem era uma cidade tomada por conflitos, conflitos todos a partir de ações da Prefeitura. Citei como exemplo Camelódromo no Eldorado que, não por acaso, convidei os (as) Conselheiros (as) para a inauguração do Espaço Popular do Eldorado (que para mim é o mais belo símbolo da pedagogia da ética do diálogo). A primeira mudança que Marília implementou e que fez a diferença para todas as áreas e que faz ela ter 80% de aprovação foi reestabelecer a conversa, o entendimento que torna possível sonhar e realizar os nossos sonhos – é essa a pedagogia da ética do diálogo que Contagem e Marília podem ensinar ao Brasil em 2024.

Sobre as tarefas do governo

No início de janeiro deste ano, tive a oportunidade de participar de uma reunião que a Prefeita Marília fez com os membros dos Comitês Gestores Territoriais. Explico. Em cada uma das oito Administrações Regionais foram constituídos comitês gestores, com representantes das principais secretarias municipais com possuem ações em todos os territórios com o objetivo de integrar as políticas públicas locais. Na referida reunião, Marília fez uma breve avaliação do trabalho dos referidos comitês apontou as diretrizes de trabalho para o ano de 2024. De forma direta e precisa, a Prefeita pontuou:

1 – O problema da cultura da fragmentação e do não-fazer como um grande dificultado da gestão púbica, e propõe o desafio permanente de substituí-la pela construção de uma cultura da integração orientada pelo compromisso com os cidadãos e cidadãs. Daí a necessidade de todos e todas atuarem na lógica da solução dos problemas, e não de meros despachantes de problemas. Por isso, adota a integração como um “estilo de governar”.

2 – Foco nos compromissos assumidos com a população e concluir as ações com as quais ela se comprometeu. Nesse sentido, é necessário dialogar com a população sobre o que o governo já entregou, mas também sobre aquilo que a gestão não conseguiu e talvez não conseguirá entregar. Nas palavras da Prefeita, a “a disputa política não se faz apenas com entrega, com anúncio, mas também explicando aquilo que a Prefeita não consegue resolver. Conversar e explicar para as pessoas e antecipar os problemas” e confiar na relação sincera estabelecida.

Conforme eu falei, as tarefas do governo são definidas pela Prefeita. Compreendo que essa é uma boa síntese e está no centro delas o diálogo e o cumprimento dos compromissos assumidos.

Sobre as tarefas dos partidos e dos movimentos

As tarefas dos partidos e das organizações comprometidas com a continuidade dos projeto liderado pela Prefeita Marília Campos, pela natureza e dinâmica da disputa, precisam e tendem a ser mais dinâmicas do que as tarefas de governo, pois levam em conta os movimentos da conjuntura local e nacional, os movimentos (com avanços e recuos das oposições). De todo forma, é preciso que sejam menos dispersas e voluntaristas possível. E que ocupem todas ou o máximo de frentes possível.

A. Política: avançar na construção de uma frente ampla de partidos, movimentos, lideranças políticas, sociais, comunitárias e religiosas que tenham compromisso com uma Contagem mais desenvolvida, justa e solidária.

B. Programática: sistematizar um conjunto de ideias e propostas que tenham como ponto de partida as conquistas alcançadas até aqui sob a liderança da Prefeita Marília Campos e que apontem para enfrentar os grandes problemas das cidades brasileiras, tais como o da mobilidade urbana, das consultas especializadas, dentre outras.

C. Aposta no diálogo: a “pedagogia da ética do diálogo” é, talvez, o ponto de intersecção entre ações de governo e da Prefeita Marília a ação política. Não nos cabe fugir de qualquer tema do debate politica, mas precisamos “antecipar os problemas” também neste ponto. Isso significa identificar setores e segmentos vulneráveis, suscetíveis a “ataques cognitivos repentinos”, principalmente por meio das redes sociais e de grupos fechados, e definir uma estratégia de diálogo permanente. Cito como exemplo o segmento evangélico que, por diversas vezes, houve a tentativa de criar distensões com a Prefeita Marília, mas sem sucesso. Isso significa que deverá ser o público prioritário das oposições, mas que também é um público que demonstra uma postura de “mão estendida” à Marília. . E, sobretudo, seguir o exemplo de Marília, e ser vigilante com assuntos, discursos e abordagens que possam ser utilizados pela extrema-direita principalmente junto ao público evangélico.

D. O básico: fazer o básico bem feito: defesa inteligente e generosa das ações do Governo e da Prefeita Marília, nas ruas e nas redes sociais, buscando compreender o outro como um outro EU.

Fagner Sena é dirigente do PCdoB de Contagem, assessor na Secretaria de Governo e Participação Popular da Prefeitura de Contagem, bacharel e licenciado em letras.

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